Ana Carolina não é Cassia Eller


Com sua voz popularizada na novela Andando nas Nuvens, Ana Carolina sobe hoje ao palco do Ballroom disposta a afastar de vez o fantasma de Cássia Eller, com quem vem sendo comparada pelos timbres vocais semelhantes. Nascida em Juiz de Fora há 24 anos, Ana mostra aos cariocas o repertório de seu primeiro e recém-lançado CD. Garganta, que toca na trilha da novela como tema da personagem Júlia Montana (Débora Bloch), é o destaque, mas o disco se sustenta e Ana, além de tudo, é compositora interessante.

O trabalho de Ana Carolina joga luz sobre um ótimo e ainda desconhecido compositor gaúcho, Totonho Villeroy, autor de Garganta e da música que abre o disco, Tô Saindo. Do repertório autoral da jovem artista, o destaque fica com Armazém, música em que ela toca pandeiro.

Ana apresenta também algumas regravações do repertório de Lulu Santos (Tudo Bem, canção do disco Tudo Azul, de 1984) e Chico Buarque (Beatriz e Retrato em Preto e Branco, parcerias com Edu Lobo e Tom Jobim, respectivamente). Mas sua produção autoral é superior.

Fonte: Mauro Ferreira - Jornal O Dia

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Revelações de Ana Carolina


Quando surgiu com o seu primeiro CD, em junho de 99, o que os jornalistas perguntavam era “quem é essa moça e de onde veio?”. Recebi o primeiro CD da cantora, sendo informado que ela era novata e que vinha de Juiz de Fora. Como sempre surge gente nova querendo entrar no mundo da música, o negócio é ouvir o disco com atenção para ver do que se trata. Felizmente aconteceu algo que não é freqüente e que transforma o trabalho cotidiano de ouvir novos CDs em algo realmente gratificante. Percebi que o CD de Ana Carolina é daqueles que pede para ser tocado mais vezes – daqueles que entram para a lista dos favoritos.


Os Atributos de Ana Carolina

Depois da grata e surpreendente qualidade musical revelada no CD, resta a satisfação de trocar idéias entusiasmadas com alguns colegas jornalistas sobre a moça. Que ela tem uma voz bonita, grave e muito forte e com recursos técnicos muito desenvolvidos, com grande alcance, improviso de vocalises etc. Que o violão dela e as guitarras são tocados de forma impressionante – assim como a voz, as cordas tem muita força, clareza e muito ritmo. Que ela toca pandeiro de forma surpreendente. E que as primeiras composições apresentadas não parecem coisa de novata. São músicas já maduras, em letras, arranjos, harmonias... E que sonoridade.

Uma Artista em Perspectiva

Depois da surpresa e das devidas apresentações, surge a oportunidade do breve encontro com Ana Carolina para falarmos sobre tudo, ou quase tudo, em sua música, sua carreira, sua história, seu primeiro CD e outros assuntos que surgem independente do que se pretende perguntar – dos rumos da conversa. O resultado é muito interessante. Com o bate-papo, o disco ganha mais vida – ganha muita personalidade e indícios de uma carreira promissora.

Com vocês, Ana Carolina!











UpToDate – Você é de Juiz de Fora, Minas Gerais?

Ana Carolina – “Sim.”
UpToDate – Como começou o teu envolvimento com a música?

Ana Carolina – “Eu tenho seis anos de carreira. São seis anos que podem parecer pouco mas, enfim, eu já fiz coisas do arco da velha.”

UpToDate – Tipo o que, por exemplo?

Ana – “Ah, tipo coisas curiosas... Eu já abri o show do Ray Conniff (1916-) e orquestra, em Minas Gerais. É um convite que você não pode deixar de fazer. Já toquei em lugares para quatro pessoas, e em lugares para três mil pessoas. Em coisas que no caminho você vai aprendendo a se impor, postura de palco. Eu já fiquei em hotéis maravilhosos, mas já fiquei em lugares que só tinha uma rede para dormir. Até um certo tempo da carreira, fica tudo muito inconstante.”
UpToDate – Você começou a se apresentar em Juiz de Fora?
Ana – “Comecei em Juiz de Fora – daí apareceram convites para ir rodando toda a região de Belo Horizonte e Minas, região serrana, Itaipabararas, Búzios, Cabo Frio – fiz bastantes  hows. Até ir para o Rio e fazer um show no Hipódromo e depois no Mistura Fina, onde estava lá a filha do Vinícius de Moraes, a Luciana de Moraes. Ela disse “olha, eu não sou caça-talento, mas eu queria saber se você tinha alguma demo”. Eu tinha uma demo com voz e violão, umas sete músicas – que hoje estão no meu disco.
Aí, depois de quinze dias, já estava tudo certo. Eu já tinha assinado contrato com a BMG e tive uma liberdade muito grande de trabalhar no disco e atuar em todas as áreas, embora estivesse muito bem acompanhada com o produtor Nilo Romero, com grandes músicos, com Gringo Cardia fazendo a capa do CD. É preciso que num primeiro trabalho como esse, você atue e se imponha e mostre o que você realmente quer a todas as pessoas, para que o trabalho saia como você gostaria que saísse.”

Nasce Uma Compositora

UpToDate – Você compôs quase todas as músicas do teu CD. Há quanto tempo você é compositora?

Ana – “Eu tinha muitas letras já prontas e algumas idéias. Mas, para uma pessoa que vinha fazendo shows como intérprete, cantando Edu Lobo, Chico Buarque, Tom Jobim – fica difícil na hora de compor. Pinta muito grilo como ‘isso não presta, não isto não está bom’ – porque o meu ponto de referência são compositores tão maravilhosos que, por complexo, eu não mostrava as minhas músicas.”


UpToDate – Mas você cantava as suas músicas em shows?

Ana – “Não, nunca. Até que chegou no processo do disco e me deu uma auto-estima e fiz uma demo com algumas canções minhas. Daí eu mostrei ao Jorge Davidson e ele disse ‘muito bom, vamos colocar no disco’. E o Nilo Romero também escutou, e as pessoas foram me massageando o ego – de uma certa forma que até então eu não sentia tanta firmeza.
São cinco músicas no disco. As quatro que mostrei a eles, e a última que eu fiz sozinha, acreditando já em mim como compositora foi “Armazém”. É a música que eu fiz um arranjo de pandeiros e chamei o Marcos Suzano para fazer um dos pandeiros. Colocamos umas vozes de funk com embolada – eu gosto muito. Então, hoje eu acredito que sou uma compositora, cantora, intérprete – inclusive no próximo disco devo apresentar mais composições minhas.”UpToDate – Antes do teu disco, você era apenas intérprete. E com o seu disco você já aparece como compositora de potencial.

Ana – “É, as pessoas sempre se surpreendem quando descobrem isso.”

O Amigo Violão

UpToDate – Com que idade você começou a tocar violão?

Ana – “Ah, isso é um fato interessante. Eu só canto porque toco. Sempre gostei mais de tocar. Até hoje, eu costumo pegar o violão em casa e tocar horas. Até que aparece alguém e diz ‘dá para você cantar alguma coisa?’.”

UpToDate – Qual é o teu estilo de tocar violão? E com que idade você começou a tocar?

Ana – “Eu comecei a tocar com 11, 12 anos – mais ou menos.”

UpToDate – Você fez escola?

Ana – “Não, nem para cantar. Eu sou uma autodidata, que é melhor até para você sair um pouco das formas, fica mais intuitivo, mais fácil para se compor.”

UpToDate – O teu jeito de tocar violão é algo que chama muito atenção, com batidas fortes, secas, puxando bem as cordas, com batidas compassadas. Fala um pouco sobre esse jeito bem próprio de você tocar violão?

Ana – “É muito forte a minha personalidade – ela parte do instrumento, do violão. Daí também a facilidade de arranjar. Eu fiz os arranjos das doze faixas no disco porque eu toco. Eu não levei os músicos ao estúdio e começamos a gravar as músicas. Não. Nós fomos a um estúdio de ensaio, eu o Suzano, o Sacha, o Tunga – ensaiamos as
músicas todas em cima do violão. Você escuta a demo e depois escuta o meu disco, você vai perceber que está todo mundo tocando aquilo que eu estou dizendo no violão.”

UpToDate – Os arranjos partem do violão.

Ana – “Sim, até nas paradinhas e nos mínimos detalhes, introduções – é tudo muito calcadinho no violão. E que bom, porque o violão sempre foi muito importante para mim e para a personalidade do meu trabalho.”

UpToDate – É curioso que no Brasil, um país tão rico em cantoras, tenha tão poucas que toquem violão, e toquem bem assim.

Ana – “É verdade. Mas é devido a esse tempo todo que eu venho tocando e esse gosto por violão. Quando você gosta de uma coisa, parece que fica seu. Eu gosto de me ouvir cantando com aquilo que eu faço no violão.”

UpToDate – Você deixa o violão dialogar com a tua própria voz... Mas você também toca guitarra.

Ana – “Eu fiz guitarras em “Alguém Me Disse”, “Retrato em Branco e Preto”, “Perder Tempo Com Você” – executei algumas guitarras ali. Eu gosto muito de guitarra. Nesses cinco anos, eu venho tocando sempre sozinha. Então eu comecei tocando violão, e depois resolvi tocar violão de aço, guitarra, aprendi a tocar pandeiro – e o show foi ficando cada vez mais rico de timbres. Não dava para ficar fazendo um show inteiro só com violão de corda de nailon. Eu queria fazer uma coisa mais folk, mais agressiva.
Até saiu uma crítica na Folha de S.Paulo, no Folhateen – que eu morri de rir. O jornalista falou que ‘nenhum homem no Brasil toca guitarra tão pesado’. Ele disse que eu sou como a Liz Phair, que sou super-talentosa, e que eu devo perder tempo ouvindo clássicos da música popular brasileira (rindo).”

Pandeiro & Novela

UpToDate – Mas você toca pandeiro muito bem também. O que o Marcos Suzano
acho do  eu jeito de tocar pandeiro? Porque ele é o mestre do pandeiro com workshops e tudo o mais.

Ana – “É, foi um prazer tocar com ele.”

UpToDate – O Marcos Suzano é autoridade máxima em pandeiro no Brasil.

Ana – “E no mundo também. Ele faz muito workshop no Japão. O Suzano não é um mero cidadão, ele não está aí ouvindo sininho. Foi muito bacana trabalhar com ele. É um cara super-carinhoso. Eu fiz o arranjo da música e toquei o pandeiro pra ele, e ele respeitou todas as convenções. Eu humildemente pedi para ele fazer aquele funk (“Armazém”), que foi idéia minha. E ele, em momento algum, como autoridade máxima, disse alguma coisa. Eu fiquei super-lisonjeada de ter o Suzano nessa faixa. Fiquei super-feliz de tocar com ele. Espero tê-lo em todos os meus discos.”
UpToDate – “E a história da música “Garganta” ter ido parar como tema da novela (1999) das 20h da TV Globo?

Ana – “Quando a demo chegou até a gravadora, eles fizeram várias cópias para o Arnaldo Antunes, para vários compositores e também para o Mariozinho Rocha, que já tinha gostado das músicas. Quando ele recebeu o CD pronto e ouviu de novo, ele achou que “Garganta” tinha tudo a ver com a personagem da Debora Bloch. E quando eu estive com ele, ele me disse que teve dificuldade em escolher as músicas. Eu fiquei muito contente porque isso era música para muita gente. Uma música minha veiculada num quarto canal de televisão do mundo. Várias pessoas me conhecem hoje pelo fato de eu ter tocado na novela. Eu não acho isso ruim, eu acho isso bom. É música para muita gente.
Eu não acredito nas pessoas que querem mostrar que fizeram um disco para críticos e para formadores de opinião só, e que não tem nenhum interesse em ganhar dinheiro e vender. Dinheiro é a mola do mundo. Lógico que é tudo conseqüência, ninguém faz “disco pra vender” – vender é a conseqüência. Mas, se vender, que ótimo! Ainda mais que “Garganta” tem um quê de Nordeste, ela tem uma convenção e um improviso de voz super-louco no meio – e como é que isso foi parar numa novela? Fico contente. Modéstia à parte, eu acho uma música bacana com um arranjo bacana. E não é só coisa ruim que tem que passar na TV, coisa boa também.”

Banda & Videoclipe 

UpToDate – Quem são os músicos da banda que você formou?

Ana – “É o Sérgio Melo, que tocou no disco bateria; o Firmino na percussão; já com o Marcos Suzano é mais complicado por causa dos shows dele; o Renato Fonseca nos teclados; o Helder Costa na guitarra; e o Luciano Leal no baixo. Eles são muito bons.Inclusive o Helder Costa até foi citado há uns tempos atrás como um dos maiores compositores do Brasil, na opinião do Milton Nascimento. A banda é bem legal. Fomos tocar no Balroom, no Rio, São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, interior de Minas...

UpToDate – O videoclipe que você fez desse seu primeiro CD...

Ana – Foi “Garganta”, que eu fiz com a Dueto. Eu acho que ficou bem legal. O VJ da MTV me perguntou qual era o pior clipe na minha opinião. Eu disse a ele que ele certamente conhecia muito mais clipes ruins do que eu mesma. Então ele me perguntou qual era o melhor clipe na minha opinião. Então eu não resisti em dizer que o meu era o melhor, isso porque eu precisava de divulgação. Mas, não sei... Ele ficou me olhando com uma cara meio indignado, provavelmente por achar que tinham clipes melhores. (risos)
Influências & Parcerias


UpToDate – Quais são as tuas maiores influências e fontes da música brasileira, dentre cantoras e músicos?

Ana – Eu comecei a escutar Cartola, Nelson Cavaquinho, Geraldo Pereira, clássicos da MPB... Gosto muito dos caras antigos como Evaldo Gouveia e Jair Amorim, amartine Babo, João do Vale (“Carcará”) – acho que o movimento do Teatro Opinião, nos anos 60, foi muito bacana. Para se fazer parte da música popular brasileira é preciso ouvir Gil, Caetano, Chico Buarque, Antonio Carlos Jobim, Djavan... É preciso também saber que existe música nova na música brasileira como Lenine, Paulinho Moska, Chico César, Zeca Baleiro, Otto, Farofa Carioca... Gosto ainda de Nina Simone, Take 6, Soundgarden, Lokua Kanza... Adoro Carlinhos Brown, Sou fã incondicional. Acho muito bacana o trabalho dele. O Frejat até fez um comentário interessante sobre o Brown, de que ele ‘é um presente do Brasil para o Brasil’. Eu acho que a Maria Bethânia é uma das maiores intérpretes do mundo. Acho que o Ed Motta é um dos maiores cantores do mundo. Acho que o Brasil é muito bom pra talento e pra música. É riquíssimo o acervo de cantores impressionantes, de compositores muito bons. Até na música instrumental o Brasil é muito bom. É um dos países mais ricos em música. 

UpToDate – Como estamos vivendo uma época em que as pessoas valorizam muito as parcerias e os trabalhos conjuntos, você pensa em fazer algum trabalho com algum músico específico?

Ana – Uma parceria saudável seria bem-vinda. Na hora que vier eu vou dizer ‘que bom que veio’. Mas, eu acho que neste momento é melhor ficar um pouco mais sozinha. Eu me impressionei muito com “Garganta” até porque o refrão dela parece muito comigo que é ‘eu aprendi a me virar sozinha’. E até hoje, foi muito isso na minha vida – a de me virar sozinha.

Ana Carolina - O CD

Ana Carolina – A Maturidade Precoce

Para quem nunca deu muita importância às suas próprias composições, preferindo interpretar
grandes compositores da música brasileira, Ana Carolina surpreende – em seu primeiro CD, lançado em abril de 1999 – com cinco canções de sua autoria que apresentam uma impressionante maturidade precoce em músicas, letras e arranjos. Ela entremeia o seu próprio trabalho de compositora com uma seleção que reforça a sua identidade de intérprete de personalidade.

E Que Garganta!
Tudo começa com a força de um samba-rasgado, de Totonho Villeroy, intitulado “Tô Saindo” – a primeira cena de Ana já é forte. O mesmo Totonho é responsável pelo feliz tema que projetou Ana Carolina no cenário nacional com a música “Garganta”, que tocou na novela das oito do ano passado. A levada forte lembra um tango moderno, assim como na versão que ela faz do clássico de Evaldo Gouveia e Jair Amorim, “Alguém Me Disse” – com direito a bandoneon e guitarra.

Do Pop Aos Clássicos

Ela dá as dicas de seu universo musical ao escolher jovens talentos da composição como John (do Pato Fu) na belíssima balada “Nada Pra Mim”; “Agora Ou Nunca”, de Arnaldo Antunes – um pop-rock do jeito que ele gosta; em “Perder Tempo Com Você”, de Alvin L.; ou em “O Melhor de Mim”, de Frejat, Paulinho Moska e Dulce Quental. Mas os ouvidos de Ana também buscam os clássicos como “Retrato em Preto e Branco” (de Tom Jobim e Chico Buarque) – numa versão feliz e corajosa apenas com voz e guitarra; em “Beatriz”, a mais bela visão musical recente de Chico Buarque, com Ana e violão; e “Tudo Bem”, de Lulu Santos, além de “Alguém Me Disse” citada acima.

As Canções de Ana Carolina

Entre esses clássicos da música brasileira, as cinco músicas de Ana figuram com todo o respeito a ótima veia da nova compositora. A força de sua personalidade está em “Trancado”; na embolada meio rap com baião “Armazém” – uma levada de voz e dois grandes pandeiros, o dela e o do mestre Marcos Suzano; a bela balada “A Canção Tocou na Hora Errada”, e “O Avesso dos Ponteiros”.

Próximo!
O que impressiona nesse disco, além do vozeirão afinado, são os vocalises, a extensão da voz, como Ana segura o clima quase sem acompanhamento, seu forte violão (naturalmente) e sua guitarra – e que pandeiro! E melhor maneira de terminar um disco do que com uma canção chamada “Tô Caindo Fora” (de autoria de Ana) é impossível. Resta aguardar o próximo CD.

Ficha técnica: Ana Carolina / BMG Brasil / 15 canções / 53m56 / produção Nilo Romero.

Por Walter de Silva 
Fotos: Carlos Mancini
Fonte: UpToDate

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