Duas versões para a mesma canção


Imagine a situação seguinte. Ana Carolina aproveita um dia do outono paulistano para ir ao cinema. O filme escolhido foi o belo “Closer — Perto demais”, do diretor Mike Nichols, uma história de amor, de relações, traições entre dois casais formados por Julia Roberts, Jude Law, Natalie Portman e Clive Owen. A cantora se encanta com a música e resolve fazer uma versão para “The blower’s daughter”, do badalado Damien Rice. A uns 400 quilômetros dali, numa salinha do Leblon, no Rio de Janeiro, Simone tem a mesma idéia e encomenda para a amiga Zélia Duncan uma versão da mesma canção. E o mais curioso: as duas chegam ao mercado no mesmo momento.

A versão de Zélia, “Então me diz”, faz sucesso na novela “Belíssima”, da Rede Globo, embalando romance da personagem Julia, vivida por Glória Pires, e André, por Marcello Antony. A de Ana Carolina, “É isso ai”, integrará o álbum que ela lança mês que vem juntamente com Seu Jorge e está estourada nas rádios.

Nenhuma das duas cantoras reivindica a originalidade da idéia, que, pensando bem, não chega a ser tão original assim; mas esta é, possivelmente, a primeira vez que duas versões da mesma música chegam ao mesmo tempo ao mercado.

Nem Mariozinho Rocha tinha visto algo parecido. Esta coincidência surpreende até mesmo o poderoso diretor musical da Rede Globo, Mariozinho Rocha, que se encantou, assim como o autor Silvio de Abreu, quando recebeu a versão de Zélia Duncan. Ele diz que em toda a sua vivência na televisão nunca tinha visto algo parecido. — É muito raro quando duas cantoras gravam a mesma canção, mas isso ainda acontece. Agora, duas versões diferentes da mesma música eu nunca vi. Aliás, eu nunca tinha visto algum artista autorizar a gravação de duas letras diferentes — conta.

Mariozinho diz que desconhecia a versão de Ana Carolina, por isso não houve escolha entre as duas músicas. — A da Ana Carolina chegou depois às minhas mãos e, mesmo que eu quisesse, não seria ético deixar de gravar a da Simone, que já estava escolhida. Gosto muito do resultado das duas. A da Simone, mais romântica; a da Ana, mais vigorosa — define. — Mas eu realmente não imaginava.

A empresária da Ana Carolina disse que ela não iria gravar este ano, tanto que lançamos, pela Som Livre, uma coletânea dela na série Perfil. Acredito em uma grande coincidência, pois as cantoras envolvidas são muito cuidadosas com suas carreiras.

E Ana Carolina não iria mesmo gravar este ano. Mas, ao receber um convite de Seu Jorge para um show em parceria no projeto Tom Acústico, da casa Tom Brasil, em São Paulo, aceitou na hora. O resultado foi a gravação de um CD e DVD. E lá estava a versão da música de Damien Rice... — Vi o filme e fiz essa versão no inicio do ano. Acho o Damien Rice um cara incrível. Mostrei-a para o Jorge, que gostou, e a incluímos no roteiro. Gravamos os shows, e a música foi um sucesso espontâneo. Fui saber da versão do disco da Simone pouco tempo antes de ela entrar na novela — diz. — Foi realmente uma coincidência. Nunca vivi algo parecido. Mas também não vejo problema. A música é linda e quem ganha é o público.

Simone conta que, poucos dias depois de ver o filme, já com a idéia na cabeça, recebeu a visita de Zélia e pediu uma letra. — Na mesma hora Zélia começou a escrever os primeiros versos. Ela é de uma criatividade impressionante. Nunca vi algo parecido acontecer, mas o quem eu posso fazer? Fiquei e ainda estou chateada, não com a Ana Carolina, claro, já que acho mesmo que foi uma coincidência, mas com a situação— explica. — A letra da Zélia é perfeita. Procuramos respeitar a melodia, traduzir o sentimento do autor.

Simone não cantou a música na gravação do CD e DVD, também em agosto, ao vivo, no Teatro João Caetano, mas a incluiu como faixa-bônus. Zélia acha que houve descaso de Damien Rice . Zélia Duncan também põe panos quentes na história. Mas não perdoa o autor, Damien Rice, que, para ela, agiu com um certo descaso. — Fiz a música com o maior carinho e ficamos um tempão esperando a autorização do autor, que mostrou um descaso com sua música e com um país que certamente não lhe interessa. Acho também que foi obra do acaso, uma enorme coincidência. Quanto a duas pessoas gravarem a mesma música, não acho nada demais, cada um faz sua leitura — explica. — Aliás, a melhor coisa da história toda é ver que as pessoas têm muitas opções.

As versões, assim como as interpretações, são radicalmente diferentes. O curioso é que as três, Ana Carolina, Simone e Zélia, fizeram muito sucesso com versões. Ana Carolina estourou nacionalmente com “Quem de nós dois”, versão para “La mia storia tra le dita”, do italiano Gianluca Grignani, do disco “Ana Rita Joana Iracema e Carolina”. Zélia tinha muitos anos de estrada em 1995, quando “Catedral”, letra sua e de Christian Oyens para “Cathedral song”, de Tanita Tikaran, tornou-a popular. Já Simone tem em seu currículo, entre outras, “Então é Natal”, sobre “Happy xmas (War is over)”, de John Lennon e Yoko Ono.

Fonte: o Globo

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