Especial- ...E daí?






Na semana passada, a cantora Ana Carolina deu uma entrevista a VEJA que contém uma confissão pessoal e ao mesmo tempo é o reflexo de uma mudança e tanto na forma como os jovens brasileiros encaram a sexualidade. Ana Carolina falou sem meias palavras sobre suas preferências. "Sou bissexual", disse ela. "Acho natural gostar de homens e mulheres." O que chama atenção é que ela trata do assunto com leveza. E, é importante frisar, sem ter a mínima intenção de fazer proselitismo em favor de causas políticas. "Sou contra essa postura de levantar bandeiras para defender o homossexualismo, pois fica parecendo que ser gay é uma doença", diz. Ana Carolina é hoje uma das artistas que mais vendem discos no Brasil. Desde 1999 ela lançou quatro CDs, que ultrapassaram a marca de 1,5 milhão de cópias vendidas. Somente neste ano foram 800 000 unidades, mais da metade de toda a carreira. Seu mais recente lançamento, Ana & Jorge, feito em parceria com o cantor carioca Seu Jorge, atingiu a vendagem de 125 000 discos em apenas duas semanas. Não é exagero dizer que 2005 foi seu ano de ouro – e a naturalidade com que expõe sua sexualidade só reforçou seu carisma.
"Acho engraçado quando alguém chega a meu camarim e diz:'Que coragem a sua de cantar Eu gosto de homens e de mulheres!'. Poxa, 'coragem' é uma expressão muito antiquada nessa área" 
Nascida em Juiz de Fora, Ana Carolina vem de uma família de músicos. Seu avô cantava em igreja e a avó era artista de rádio. "Dizem, aliás, que ela teve um affair com o forrozeiro Luiz Gonzaga – mas não me pergunte se foi antes ou depois de conhecer meu avô", conta. Ana Carolina é autodidata: aprendeu a tocar violão, guitarra e pandeiro sozinha. Hoje em dia, diz que domina a "matemática da música", embora ainda não saiba ler partituras. A cantora lembra que na adolescência, ao mesmo tempo em que dava os primeiros passos musicais, já demonstrava interesse por ambos os sexos. "Namorei quatro garotos, depois uma menina, em seguida outro garoto e mais tarde uma menina outra vez", diz. Aos 16 anos, ela tomou a decisão de contar para a mãe que se sentia diferente das amigas. "Fiz isso de supetão. Estávamos falando de um assunto qualquer e eu soltei a confissão, como se não fosse nada. 'Mãe, eu gosto de homens e de mulheres. Dá para a senhora me passar aquele negócio ali, por favor?'" A opção da filha foi respeitada, ainda que mais tarde ela tenha enfrentado cobranças. "Tive de ser mais dura com minha mãe, para reafirmar minha condição. Mas aí ela aceitou de vez, e hoje nos damos bem", conta. 
                                     
"Sempre apreciei as intérpretes que botam tudo para fora ao cantar, como se fosse o últino dia de sua vida. Cantar alto me deixa excitada"
Ana Carolina começou da mesma forma que tantos artistas anônimos: cantava em barzinhos. Seu repertório tinha canções de Edu Lobo e Chico Buarque, além de músicas próprias. "O barzinho é uma escola maravilhosa, desde que você não cante apenas sucessos que tocam na rádio, imitando as versões originais. Desse jeito, você nunca encontra a própria personalidade." Ana Carolina ainda era desconhecida quando encontrou uma figura que marcaria sua carreira: a cantora Cássia Eller. "Quando Cássia foi a um show meu, eu me senti como se tivesse ganho a Cruz de Malta", diz. As duas ficaram amigas e, depois da morte de Cássia, Ana Carolina herdou parte de seus fãs. 

O forte da cantora são as baladas – mas ela faz bom uso de seu vozeirão para lhes dar um toque mais dramático do que intimista. "Cantar alto me deixa excitada", diz ela. Além de compor, Ana Carolina tem gravado canções de medalhões e novos nomes da MPB. Ela tem uma visão realista do gênero em que atua. "Não acredito que surgirão na música brasileira movimentos musicais tão inovadores quanto a bossa nova e o tropicalismo. Mas isso não é o fim do mundo. Vamos fazer música de qualidade, nem que não seja uma revolução", diz. Os shows de Ana Carolina têm público eclético. Há fãs lésbicas que bradam palavras de ordem enquanto ela entoa baladas românticas, e também casais heterossexuais. Quando a cantora apresenta sua versão bossa nova de Eu Gosto É de Mulher, sucesso do grupo de rock paulistano Ultraje a Rigor da década de 80, a platéia sempre se entusiasma. "É uma canção machista, misógina até, mas sempre divertida." Outro ponto alto se dá quando ela interpreta uma música que estará em seu próximo disco, Eu Gosto de Homens e de Mulheres. "De vez em quando alguém chega a meu camarim e diz: 'Que coragem cantar essa música!'. Sempre recebo bem esse tipo de elogio, mas acho que aí está a diferença da minha visão. Acho 'coragem' uma expressão muito antiquada nessa área. Nossas inclinações sexuais não deveriam causar medo."
   Ana Carolina descobriu que era bissexual na adolescência. 
Quando tinha 16 anos, ela decidiu contar à mãe.
"Gosto de homens e de mulheres. Dá para pegar aquele negócio ali, por favor?
" A cantora, no entanto, não descarta a idéia de um dia se apaixonar por um homem. 
"Se isso acontecer, caso de véu e de grinalda, e ninguém irá me impedir." 

Atitudes como a de Ana Carolina atraem dois tipos de oposição. Sua maneira de falar de sexo parece ultrajante para os conservadores, mas também incomoda muitos homossexuais aguerridos, que gostariam de vê-la empunhando a bandeira do arco-íris. Ana Carolina pertence a uma era pós-engajamento. Parte da militância não se conforma com suas negativas a se apresentar na Parada Gay paulistana ou em casas noturnas voltadas a esse público. "Acho que passeatas e discursos no estilo 'nós, os homossexuais' só alimentam uma visão estereotipada", diz. Inspirada por autoras como a americana Camille Paglia, que admira por suas polêmicas no âmbito do feminismo e da cultura gay ("O que mais me incomodou num assalto por que passei foi levarem por acaso um livro dela", brinca), a cantora não quer ser aprisionada num nicho. "Posso até estar saindo com uma mulher, mas se eu me apaixonar por um homem e decidir casar com ele na igreja, de véu e grinalda, ninguém vai impedir", diz.

Fonte: Veja Online

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