Cores fortes da Voz forte



Se não dá para dizer que ela já é uma pintora com identidade, os quadros espalhados pela espaçosa e iluminada sala da cantorAna Carolina, em seu apartamento em São Conrado, têm interessantes jogos de cores e formas. Envolvimento com tintas e telas recente, que começou durante a gravação de seu terceiro CD, “Estampado” (lançado em agosto do ano passado), e funcionou então como uma espécie de terapia.

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Não gosto muito de estúdio, prefiro show, se pudesse só faria DVD ao vivo. Eu chegava em casa estressada com a rotina das gravações e usei a pintura como uma forma de relaxamento— revela Ana, que, na época, fez um quadro para cada uma das 15 faixas do disco.
São pinturas abstratas, de cores fortes — assinadas com as inicias A.C. — que permitem um paralelo com a música igualmente forte da cantora, compositora e violonista mineira. Ela começou a pintar sem estudo formal, e nisso repetiu sua relação com a música. Mas o interesse pelas artes plásticas vem de longe, admiradora que é do escultor Rodin (“Tenho livros sobre ele, vi o filme sobre Camille Claudel”) e de pintores como Monet, Picasso e Hooper (“A forma como ele trata a luz é fantástica”).

— Sempre gostei, tenho livros de pintura, até que um dia comprei telas e tintas. Mas também comecei a tocar violão e cantar sem ter aulas, apaixonada que sempre fui pela obra de Chico Buarque — recorda-se Ana, que tem alguns de seus quadros em casas de amigos mas não pensa em expô-los.
Uma especialista no setor, e amiga da cantora, a artista plástica Niura Bellavinha, dá o seu aval — depois de perguntar se o repórter ligara para fazer uma consultoria ou para entrevistá-la.
— Pelo que vi, seus quadros têm uma característica lúdica. Ainda é uma brincadeira, mas se levar a sério, estudar, pode virar uma pintora — responde Niura, que já percebia na música de Ana uma ligação com a imagem. — Tanto melodicamente quanto poeticamente, suas canções têm fortes referências visuais. Acho interessante artistas que rompem as fronteiras. Gosto muito do trabalho de Schnabell (o pintor Julian Schnabell) no cinema, os filmes que ele fez sobre Reinaldo Arenas e Basquiat são ótimos.

A música, no entanto, continua a veia principal de Ana Carolina, que lança agora seu segundo DVD, “Estampado — Um instante que não pára” (BMG). E ela não pára de compor, já tem 20 composições inéditas na fila — “Acho que vou fazer um CD duplo, um BMG e outro Sony”, diz, brincando com a recente fusão das duas gigantes do mundo do disco. Dessa nova safra, “Eu gosto de homens e de mulheres” (letra ao lado) foi escrita como reação ao sucesso de sua releitura de “Eu gosto de mulher”. Na voz de Ana, o rock machista-escrachado do Ultraje a Rigor nos anos 80 ganha conotação inversa, vira canção-bandeira homossexual, em efeito similar ao de Marina Lima cantando “Mesmo que seja eu”, de Roberto e Erasmo Carlos (aquela que traz a frase “Um homem pra chamar de seu, mesmo que seja eu”). — Similar, não, em “Eu gosto de mulher” eu radicalizo muito mais — corrige Ana. — Essa música virou um hino, é obrigatória nos meus shows. Mas ficou muito unilateral, estava me incomodando e fiz essa para contrabalançar.

A reação calorosa pode ser conferida no DVD dirigido por Monique Gardenberg, que registrou, em agosto passado, o show “Estampado”. Nove mil pessoas lotando o Claro Hall, em delírio com os sucessos de três discos, em cinco anos de carreira. Por sugestão de Monique, num dos extras do DVD, “Onde está Ana?”, a cantora usa um disfarce para entrar na casa de shows e se misturar à platéia:

— Foi assustador, realmente fiquei muito nervosa com aquela experiência, senti toda a energia de meu público, eu que não tenho frio na barriga antes de subir ao palco. 

Entre a adoração e a rejeição

A personalidade e o estilo de Ana Carolina já estavam estampados no seu primeiro sucesso , “Garganta”, canção que é quase perfeito auto-retrato — “quase” pelo fato de ter sido escrita por outro, o gaúcho Totonho Villeroy.
— Eu tinha feito um show em Belo Horizonte e chegou aquele cara no camarim com um papel na mão, dizendo que tinha acabado de escrever aquela letra — conta. — Depois me lembrei que conhecia Totonho, eu tinha ido a um show dele no Rio, no Mistura Fina, e adorei, tanto que comprei os dois discos independentes dele. 
Nessa época, anterior ao sucesso, Ana Carolina rodava sua Juiz de Fora natal e arredores numa Parati, fazendo shows de voz e violão em tudo que era lugar.
— Mas o meu sonho era vir para o Rio, sempre que podia estava aqui, fiquei muitas vezes hospedada na casa de Cássia Eller, que foi quem pagou o roadie (o assistente de palco) de meu primeiro show no Mistura Fina. 
Show no qual foi assistida por uma filha de Vinicius de Moraes, Luciana, que se encantou com a garota de voz e violões fortes e tratou de espalhar a boa nova. Ana, aos 24 anos, já tinha desistido da faculdade de letras (“Fiz até o quinto período”) e logo seria contratada pela BMG.
— Meses depois do primeiro CD, fui chamada na gravadora. Eu estava achando que seria mandada embora e quando um diretor disse que o disco vendera cinco mil cópias, não acreditei, achei que era coisa demais. Seis meses depois, já era disco de ouro. 
Se o sucesso é uma realidade desde a estréia em 1999, como será que Ana reage à rejeição que também existe em relação à sua música junto a muitos formadores de opinião? Afinal, entre a crítica, e mesmo no meio artístico, há quem torça o nariz para o seu estilo dramático.
— Eu tenho uma grande extensão vocal, vou dos graves aos agudos, toco violão bem — responde, com ênfase. — Mas causar coisas nas pessoas, mesmo quando a resposta é negativa, é fundamental. Uma coisa sei, nunca vou fazer música suave, tenho muita personalidade, dou grito mesmo, sei que tenho esse lado overdose. Mas é real! 

Fonte: O Globo

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