Todas as mulheres de Ana Carolina

Cantora homenageia o temperamento feminino em seu segundo CD, compõe pela primeira vez com parceiras como Adriana Calcanhotto e grava canção pop em duo com Alcione


Ana Carolina conseguiu a difícil tarefa de se impor num mercado complicado para a música de qualidade e mais ainda se pensarmos que há dezenas de cantoras em busca de um lugar ao sol. A bordo de sucessos como Garganta (Totonho Villeroy) e A Canção Tocou na Hora Errada (de sua autoria), ela conquistou as FMs e abocanhou um público que admirava cantoras de linhagem pop com queda para canções de amor, como Adriana Calcanhotto, Cássia Eller, Marisa Monte e Zélia Duncan. Como se não bastasse, vendeu mais de 100 mil cópias do primeiro CD homônimo , de 1999. Agora, ela vem disposta a se fixar definitivamente no cenário da MPB pop com o álbum Ana Rita Joana Iracema e Carolina que ganhou este nome em homenagem às musas de Chico Buarque e por ser um disco essencialmente feminino.

"O título veio quando o disco já estava pronto. Estava muito feminina e acabei colocando justamente meu universo feminino no disco. Pela primeira vez, fiz parcerias com mulheres, além de convidar a Alcione para dividir uma faixa comigo. Então, me vieram à cabeça títulos de canções de Chico Buarque com nomes de mulheres", justifica Ana, referindo-se a Anna de Amsterdam, A Rita,Joana Francesa, Iracema Voou e Carolina. O temperamento de todas essas mulheres é retratado em faixas como Joana,Implicante, Dadivosa e especialmente em Ela é Bamba. "Essa música fala das mulheres que vão à luta, que são mães e educam uma nação. Fala de uma multidão de mulheres, as caras diversas das mulheres do Brasil".

Divas e musasA referência à Chico Buarque não é casual. Já no CD anterior ela havia revisto Retrato em Branco e Preto e Beatriz, tudo por conta de uma "grande influência" que teve do compositor em sua obra. "O Chico me influenciou muito. Já cantei muitas de suas canções. Neste disco, não regravei nenhuma música dele, mas o mencionei não só no título e na canção Ela é Bamba, mas também na letra deViolão e Voz", explica Ana, referindo-se a uma citação da letra buarqueana de Samba e Amor. O verso "Eu faço samba e amor até mais tarde" foi mudado em sua canção para "Eu faço samba e amor a qualquer hora". Mas essa música tem ainda um quê a mais de interessante: a participação da cantora Alcione.

"Quando a faixa Violão e Voz foi produzida, vi que ela ficou com umbeat moderno (cortesia do baixista Dunga, que produziu o disco ao lado de Nilo Romero e Marcelo Sussekind) com a coisa da manifestação eletrônica. Achei que ficaria curioso tirar Alcione do ambiente dela de samba e colocá-la numa canção desse gênero. Ela é uma grande pessoa, de grande astral, com uma voz maravilhosa", elogia.

Outra diva da MPB citada no CD é Maria Bethânia, com um texto de Antônio Bivar, recitado pela cantora no espetáculo Drama / Luz da Noite, de 1973, presente no LP Drama 3º Ato. Tal texto é sampleado e colocado no meio da faixa Dadivosa (parceria com Adriana Calcanhotto e Neusa Pinheiro). "Essa música fala de diva e vida. Incluí Bethânia para enobrecer a faixa. Ela aparece dizendo um texto que diz 'Tinha medo de tudo quase/ (...) Do que não ficava para sempre'. Foi uma boa escolha. A voz da Bethânia falando ou cantando traz sempre uma interpretação arrebatadora."

Sonoridade internacionalAna conta que seu novo trabalho complementa o primeiro. "Ele vem com algumas coisas diferentes, mais amadurecido. Tive liberdade de gravá-lo do jeito que eu quis, da mesma forma que no primeiro. Minha cara continua forte. Aposto no disco como um todo e não numa faixa, não me interessa se vai vender mais ou menos", enfatiza ela, que rejeita o rótulo de pop romântico para seu som. Prefere MPB pop. "Gosto de MPB pop. No meu disco tem muito violão, cello, cordas, pandeiro... mas não é exclusivamente pop. Sou uma pessoa de 25 anos que vive a MPB para pessoas da minha idade", justifica.

Apesar da sonoridade bastante internacional presente no trabalho, de fato há alguns ecos de brasilidade em algumas faixas, inclusive na regravação - ainda que com roupagem bem pop - do bolero Que Será (Marino Pinto/ Mário Rossi), lançado por Dalva de Oliveira há cerca de meio século, mas ainda hoje presente no inconsciente coletivo dos brasileiros. "Essa música minha mãe cantava para mim quando era pequena. Gosto do desafio de reler canções conhecidas que comigo ficarão de um novo jeito. Quis fazer nesta faixa uma levada bem limpa, seca. Além disso, é mais uma citação de mulher, é bom relembrar uma música eternizada por Dalva".

InconstanteAs referências de Ana Carolina não são apenas musicais, mas literárias. A versão de La Mia Storia Tra Le Dita, que virou Quem de Nós Dois em uma versão que já está tocando nas rádios, assinada a quatro mãos com Dudu Falcão, foi feita baseada no livroFragmentos de um Discurso Amoroso, de Roland Barthes. Já a curiosa faixa com acento blue Joana foi composta por Ana após ela ter lido O Pelicano, de Adélia Prado. "O Barthes fala nesse livro sobre coisas que são comuns a todos, de um jeito simples, sem pretensões. Já a Adélia se atém às pequenas coisas, como a unha encravada, a bainha da batina dos padres... tem um jeito de ver a vida de forma tão minimalista, atenta aos pequenos detalhes, que me influenciou a compor versos como: 'Eu não gosto de suas unhas/ E seu jeitinho de ainda vencerei'. Essa Joana é a f.d.p. total", ironiza.

Para completar, entre as 15 faixas, Ana regravou a cortante Eu Nunca Te Amei, Idiota, do repertório do extinto grupo Sex Beatles, integrado entre outros por Cris Braun e Alvin L., autor da canção. Esta faixa, segundo a cantora, contradiz diversas outras do CD. Por isso mesmo ela explica que o disco poderia ter vários outros títulos. "Sou muito inconstante. Gosto de muitas coisas diferentes ao mesmo tempo. Detesto discos, livros e filmes lineares. Esse disco oscila intenções, ritmos e músicas porque gosto de coisas que se movimentam, e por isso acho que essas podem ir à frente."


Fonte: Rodrigo Faour-Clique Music

0 comentários: