Todas as mulheres



No verso do encarte, Ana Carolina, 26, rói a unha com olhar de dúvida. Quando se tira o disco da embalagem, surge uma foto de uma caixa de manicure repleta de produtos de beleza - cremes, pós, batons. O retrato simboliza a feminilidade que envolve Ana Rita Joana Iracema e Carolina, segundo CD desta cantora e compositora de Juiz de Fora, que chega às lojas neste final de semana pela gravadora BMG.

A própria Ana Carolina chama a atenção para o título do disco, inspirado em mulheres que viraram nome de música sob a pena de Chico Buarque, de longe o autor que melhor entende as nuances desses seres encantadores e, em muitos casos, incompreensíveis. "A mulher tem muito disso, de questionar o relacionamento, pensar, pedir perdão, se arrepender, sofrer calada e, acima de tudo, ter dúvidas", sintetiza Ana Carolina, em entrevista por telefone ao Caderno Dois.

Dona de uma voz grave e potente, ela credita que superou as comparações com Zélia Duncan e Cássia Eller, apontadas desde que a música Garganta, de Totonho Villeroy, estourou nas rádios brasileiras em 1999, puxando o seu disco de estréia. Contrariando a retração do mercado, o CD Ana Carolina vendeu 150 mil cópias, rendeu uma extensa turnê pelo Brasil e abriu várias portas para a cantora.

No intervalo entre os dois discos, ela participou do songbook de Chico Buarque, compôs e gravou duas músicas para a trilha sonora do filme Amores Possíveis, de Sandra Werneck, e foi convidada a cantar a faixa Mama Palavra no recém-lançado CD de João Bosco, Na Esquina Ao Vivo.

Para melhorar, a balada Quem de Nós Dois, versão de Ana Carolina e Dudu Falcão para a canção italiana La Mia Storia Tra Le Dita, virou tema da novela Um Anjo Caiu do Céu e figura entre as 10 músicas mais tocadas nas rádios de todo o país, segundo avaliação da revista Sucesso CD.

A seguir, Ana Carolina revela o perfil das cinco personagens que titulam o seu disco, as várias coincidências que cercaram a realização do CD, a origem do tom dramático de suas interpretações, e, ainda, porque sente um friozinho na barriga toda vez que encontra o seu muso inspirador.

O que mudou do primeiro disco para o novo?
Este segundo CD é uma continuação do primeiro, porém, mais amadurecido em termos de letras, arranjos e produção. Queria que cada música soasse de um jeito diferente e que falasse de minha inconstância. O CD é uma celebração do meu jeito de gostar de coisas diferentes.
De onde veio o título ‘Ana Rita Joana Iracema e Carolina’?
São títulos de canções de Chico Buarque. Ele foi o cantor que mais falou da mulher e o fez de forma maravilhosa. Sou fã número 0 do Chico. Confesso que até hoje fico nervosa quando o vejo.
É uma homenagem às mulheres?
Não diria uma homenagem, mas um momento meu de muita feminilidade. Coloquei esse nome depois que o disco estava todo pronto devido a algumas coincidências: a música Ela é Bamba fala de mulheres que batalham e que educam a nação; Implicante traz o verso "de que vale seu cabelo liso e as idéias enroladas dentro da cabeça?", que considero bem feminino; regravei Que Será, música eternizada por Dalva de Oliveira e que minha mãe cantarolava na minha infância; Joana, a babaca da história, eu fiz depois de ler o livro Pelicano, de Adélia Prado. Enfim, várias coincidências do universo feminino aconteceram nesse disco, inclusive uma canção em parceria com Adriana Calcanhotto que tem um sampler de Maria Bethânia, a diva maior. 
Esses cinco personagens existem em você?
Diria que sou cada uma delas. Todo mundo é assim. A gente hoje tem que se desdobrar para ser mais de uma pessoa ao mesmo tempo. Uso há cinco anos um anel que, na verdade, são braçadeiras de fogão. As pessoas me perguntam onde comprei estes anéis e eu digo que você pode encontrá-los em qualquer casa de apetrechos domésticos. Costumo dizer que a mulher tem que sair do fogão, botar o anel no dedo e ir em frente.
Este CD parece mais melancólico. Existe uma estética blue na sua interpretação?
Queria falar um pouco do que eu sentia no Rio, a angústia, dor - é coisa de mulher. Fiquei dois anos morando no Rio e algumas canções sofreram forte influência desses sentimentos. A música que fecha o CD, Me Sento na Rua, tem um ar de metrópole que se deve ao fato de eu estar morando no Rio. Tenho uma coisa Mississipi no jeito de cantar, mas nunca tive uma relação estreita com discos de blues. É atraente, para mim, cantar a dor.
As comparações com Zélia Duncan e Cássia Eller já foram superadas?
Acho que sim, né? Meu primeiro disco vendeu 150 mil cópias. Hoje as pessoas já sabem quem eu sou. 

Quem teve a idéia de gravar ‘Quem de Nós Dois’ para a novela da TV Globo?
O Dudu Falcão, um dos meus parceiros nesse disco. Ele me mostrou La Mia Storia Tra Le Dita (Gean Grignani/Massimo Luca) e eu topei o desafio de fazer a versão. Foi uma experiência nova, porque me obrigou a aglutinar palavras paroxítonas ou proparoxítonas para caber na melodia. Como não podia fugir do tema da canção, o amor, busquei inspiração no livro de Roland Barthes, Fragmentos de um Discurso Amoroso. Enquanto houver amor, haverá canções de amor.
Como foi a experiência de gravar com Alcione?
Eu quis tirá-la do ambiente natural dela, o samba romântico, e trazer sua voz abissal para um beat eletrônico. É curioso ver a Alcione em um ambiente techno. O resultado foi maravilhoso.

Fonte:  José Roberto S. Neves- Gazeta

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